25-05-08 5.dia Picos de Europa - O Regresso |
“Eu tb tenho fotos, cujas cores foram pintadas com a pena da caneta, reveladas durante esta noite, ainda em câmara escura, mas já com a lama limpa das botas.
Destas ninguém necessita de pedir cópias, decerto todos temos as nossas, uns ainda por as revelar, outros com elas já metidas no álbum.
Uma caminhada com longas horas passadas no meio das montanhas inevitavelmente tem muitas histórias por detrás de tantas e tantas fotografias tiradas ao longo do percurso, ou nas paisagens captadas na objectiva. Aliás a riqueza desses momentos não está apenas na colecção de fotos que cada um traz consigo "para mais tarde recordar", mas o que está por detrás de cada rosto, cada momento, cada palavra, cada gesto tido por todos nós ao partilharmos durante um fim de semana prolongado parte das nossas vidas. A ansiedade da novidade de chegar aos Picos da Europa prontinhos para começar uma aventura inesperada por tão diferentes montanhas daquelas a que estamos habituados a calcorrear nas terras lusas. Com paisagens de verdes fortes mesclados com cinzentos pálidos e azuis turquesa do rio que mais parecem ter sido tirados de imagens de livros de contos imaginários. Ou os azuis frios dos céus enquanto as nuvens procuravam cobrir o restante espaço.
Fizemos descidas aos vales profundos e encravados dos rios Cares e Urdon, por entre zigue- zagues de trilhos mais que passados por gentes que fazem daquilo as suas rotinas e modo de vida, vincados no polido da pedra calcaria e que com toda a sinceridade possível de quem já viveu uma montanha de cansaço e viu passar muitas nuvens por cima do vale pede emprestado "que luego te lo devolvo" bastões para ajudar as costas que já doem. Fomos apanhados de sorrisos desprendidos de preocupações num grupo que apenas quer "dar à sola monte abaixo", enquanto cabras, ovelhas e vacas olham impávidas a folia, porque nada é melhor do que aquele pasto que as rodeia.
Chegámos em catrefada ao repasto que ainda tínhamos para fazer, de água a escapar pela boca, tal era a fome e a vontade de sentar para gozar o serão. Tb desses momentos descobrimos dotes culinários escondidos por detrás de anjos brancos e bússolas que orientam as hostes entre a cozinha e a sala de jantar.
À noitinha quando metade do grupo já tinha debandado e a outra se perdia em discussão infinita sobre o trilho que seria feito no dia seguinte, os olhos teimavam em manter-se abertos, e se procurava esquecer as dores que já começavam a sentir-se nos pés.
Gente que prefere manter um ritmo de caminhada mais tranquilo, e nos leva a pensar que o stress e a pressa não são para ali chamados e nos recordamos que a solidariedade, companheirismo e perseverança devem permanecer acima de tudo. Custe o que custar, e o perder uma hora na caminhada, afinal é mais uma riqueza, nem que seja pela conversa que se solta nos passos mais lentos, no sorriso que sai quando se chega ao destino do refúgio, ou ao local da merenda já ansiada. Afinal valeu bem a pena.
E vale bem a pena parar quando se pressente que está atingido o "limiar do bom senso" numa subida ao refúgio de Los Cabrones, debaixo de um nevão e se depara uma língua de neve gelada. Como prémio pela sabedoria da prudência, o grupo acaba a tirar fotos com o melhor sorriso possível, num cenário branco invernal em Maio, já a caminhar a passos largos para o Verão.
Após chuva, muita chuva e mais chuva leva o grupo ao encontro final no restaurante, para saborear a fabada que o empregado dispara em pratos dispostos pela mesa recheada de gente cheia de histórias do dia e do fim de semana que ainda está a meio no espírito e nas gargalhadas. As molhas, as bolhas e as dores não se percebem naquelas "caras rojas" e esfuziantes que enchiam o espaço.
Nem sei se o dilúvio teria tido mais efeito...
Muitas histórias ficaram na mente e no íntimo de cada um, nos passos solitários e das longas horas passadas a olhar para o chão pedregoso, ou lamacento.
Não duvido que cada um à sua maneira tenha trazido umas quantas ideias novas, outras perspectivas de ver a "paisagem" que neste momento nos rodeia na nossa rotina diária. É só uma questão de não deixar morrer a memória daquele fim-de-semana passado por terras do lendário Pelayo e do presbítero Eurico.
Abraços
Nuno/ Tempestade”
Meu querido Tempestade, senti um arrepio muito prazeroso ao ler cada palavra do teu texto… ninguém teria relatado melhor os momentos vividos e sentidos naquele fim-de-semana. Alegra me saber que para alem de momentos de puro prazer, a montanha também me permite conhecer gente excelente e ter o privilégio de suas companhias.