quarta-feira, 11 de setembro de 2013

20 e 21-07-13 Cañon del Sil - Espanha


ODE AO HOMEM SIMPLES

Vou contar-te em segredo
quem sou eu,
assim, em voz alta
dir-me-ás quem és,
quanto ganhas,
em que fábrica trabalhas,
em que mina,
em que farmácia,
tenho uma obrigação terrível:
e é saber,
saber tudo,
dia e noite saber
como te chamas,
é esse o meu ofício,
conhecer uma vida
não basta,
nem conhecer todas as vidas,
é necessário,
verás,
há que desentranhar,
raspar profundamente
e como numa tela
as linhas ocultaram,
com a sua cor, a trama
do tecido,
eu apago as cores
e busco até achar
o tecido profundo,
assim também encontro
a unidade dos homens,
e no pão
busco
para além da forma:
gosto do pão, mordo-o,
e então
vejo o trigo
os trigais temporões,
a verde forma que tem a Primavera,
as raízes, a água,
por isso
para além do pão,
vejo a terra,
e a sua unidade,
a água,
o homem,
e tudo provo assim
buscando-te
em tudo,
ando, nado, navego,
até encontrar-te,
e pergunto-te então
como te chamas,
a rua e o número,
para que recebas
as minhas cartas,
para que te diga
quem sou e quanto ganho,
onde vivo,
e como era o meu pai.
Vês como sou simples,
e como és simples,
não se trata
de nada complicado,
eu trabalho contigo,
tu vives, vais e vens,
de um lado para o outro,
é muito simples:
és a vida,
és transparente
como a água,
e sou assim também,
o meu dever é esse:
ser transparente,
todos os dias
me educo,
todos os dias me penteio
a pensar como pensas,
e ando
como andas,
como, como tu comes,
tenho nos braços o meu amor
como tens a tua namorada,
e então
quando isto está provado,
quando somos iguais
escrevo,
escrevo com a tua vida e com a minha,
com o teu amor e com os meus,
com todas as tuas dores
e então
já somos diferentes,
porque, com a mão sobre o teu ombro,
como velhos amigos
digo-te ao ouvido:
não sofras,
está perto o dia,
vem,
vem comigo,
vem
com todos
os que se parecem contigo,
os mais simples,
vem,
não sofras,
vem comigo,
porque, embora o não saibas,
isso, sim, sei-o eu:
sei para onde vamos,
e esta é a palavra:
não sofras
pois venceremos,
havemos de vencer,
ou mais simples, nós,
venceremos,
mesmo que não o creias,
venceremos.


PABLO NERUDA

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2 comentários:

Carlos M. Silva disse...

Olá Maria

Belo passeio, não? pela Natureza desse enorme vale e pela história.
Na parte do trilho que fiz o ano transacto (a outra parte, planeada, acabou por não acontecer por imprevisto meu) não só deu para ver que um 'nosso amigo mamífero' habita a torre, 'aquele que gostaríamos de imitar' .., abrindo as asas como tu abres e abres e tornas a abrir os braços, como deu para sentir nostalgia - coisa que também por cá, em muitos sítios poderia sentir, pois a realidade, essa realidade é bem igual - por todos os passos que já se não dão na aldeia abandonada de Chamoso.
Passar por essa aldeia abandonada, metida na floresta e à qual apenas se acede e acedeu a pé, a cavalo (ou burro, pois claro) ou de carroça, fez-me sentir um fantasma que não obteve ainda a tranquilidade.
Podia ter sentido uma ou outra sombra a assomar às janelas .., mas acho que nenhuma me apareceu.
Quanto ao poema fotografado Maria, embora o meu castelhano(?) seja fraco ..e também ao do e ao do Pablo Neruda, constato que continuas ..plena de paixão, pela vida e por todas as coisas.

Abraço, um beijo ..e que os espaços onde estiveste ou venhas a estar ..te beijem de volta.

Carlos M. Silva

White Angel disse...

Carlos... :)

Saudades!!!
Não não mudo a paixão pela vida simples, continua a mover-me...

Só através dessa paixão e desse amor que sinto pelas natureza em especial as montanhas, é que tudo faz sentido.

Beijo bem docinho e um abraço bem apertadinho.