quarta-feira, 13 de julho de 2011

Luis Vendeirinho

Fotografia de Paulo Costa

 ‎"Da bruma digo que nos contorna de magia o olhar, do olhar que surpreende o estalar da folhagem, da distância onde não couberam nem a bruma, nem a folhagem, que me instiga os instintos para sôfrego beber uma taça de memórias..."
Luis Vendeirinho

terça-feira, 12 de julho de 2011

23,24,25 e 26-06-11 no Gerês - 3 -

 Terceiro dia, 25-06  Touça - Lagarinho - Sesta d'Amarela - Cabana d'Amarela - Bicos Altos - Prado  dos Bicos Altos

Apenas os raios de sol entravam no vale e a luz do dia na cabaninha, já eu abria os olhos. Deixei-me ficar ali um tempinho a apreciar o aconchego do meu saco-cama e a olhar para o vale pelo pequeno orifício da entrada. Ouvia os passarinhos a chilrear lá fora e agua dos ribeiros da Touça e do Laço a darem-me o bom dia! Qual dos dois foi o primeiro não sei, só sei que senti o beijo de um e o bom dia do outro… tão bom!!!

Levantei-me, lavei meu rosto, penteei o cabelo, vesti-me e fiz-me linda para abraçar a minha serra por mais um dia… Enquanto tomava o pequeno-almoço, fui namorando um pouco o Vale do Rio Laço que seria o meu próximo passo, pelo menos deveria ser, pois as indicações que deixei aos meus colegas é que iria pelo rio Laço até a Cabana da Amarela…

Fiz aquilo que desaconselho a qualquer pessoa que caminha só.

Tinha visto no dia anterior um portelo numa linha de agua bastante íngreme do lado esquerdo do rio e resolvi tentar por ai… Se há um portelo é porque o gado passa e se assim for, eu também… Comecei então minha ascensão por um trilho muito pouco trilhado mas ainda havia uma mariola ali outra acola. Até ai tudo bem fui lentamente com tempo para apreciar a paisagem, o declive tornava-se cada vez maior, mas ali não havia lugar para medos. Resolvi abordar o flanco pelo lado esquerdo “feeling”… Errado!!! Quando dei por mim estava em frente de uma enorme parede e regressar/descer com 14kgs as costas, não me estava a apetecer. Até porque a maior parte dos acidentes se dão nas descidas (a descer) do que a subir… Resolvi escalar um pouco a rocha e passar um patamar, parecia plano. Parei, descansei antes de iniciar e pensei, se me acontece aqui algum azar, estou tramada, ninguém sabe que vim para este lado, e um resgate seria complicado. E se morresse??? Pensei para mim; morreria feliz, estaria na minha serra… Mas não, ainda há muita vida a correr-me nas veias… Resolvi começar a escalar e lembrei-me de um colega de montanha, o Sherpa com quem fiz pela primeira vez escalada em rocha… Ok não tinha ninguém desta vez a fazer segurança, mas lembro dele falar da força de pernas, dos apoios e das brechas na rocha onde poderia fincar os pés e agarrar-me com as mão… Não era grande coisa mas sabia que tinha de ter o máximo cuidado, qualquer descuido poderia ser “grave”.
Mas passei, o patamar estava lá mas mais outra parede a minha frente, agora estava fora de questão de continuar, tinha de contornar aquele morro de pedras e apanhar o trilho que eu conhecia e sabia que se encontrava uns 800 mts mais a esquerda. Consegui descer por uma brecha mais a frente e apanhar terra firme, com algum declive mais conseguia andar bem…. Vi ao longe uma mariola que sabia que indicava a passagem do trilho segui-o e claro, fui ter ao Lagarinho pelo trilho convencional que vem da Touça… Ainda tive tempo para apreciar o vale e o estradão que nos leva as Lagoas do Marinho. Apreciei do olhar Porta Ruibas, acenei as Quinas de Arrocela, lembrei da felicidade imensa que senti quando pela primeira vez subi ao Alto de Palma pelas Portas d’Abelheira.
O Borrageiro fitava-me do olhar, ciumento também queria minha atenção. Cheguei ao Lagarinho, ainda era muito cedo, resolvi comer uma pouco, descansar, apreciar os prazeres da vida o “dolce fare niente”… Ficar ali só a sentir o sol, ouvir os passarinho, deliciar-me com o frenesim do vento nas arvores e sentir-me tão bem, tão feliz por estar ali, sem nada, só com uma mochila o mínimo para comer e beber, um saco cama e mais nada… Tão pouco para me sentir feliz, em paz, de bem com a vida… Acho que fiquei ali umas 3 horas.

Lentamente fui subindo até meu lugar de eleição naquela zona do Gerês. Fui até a Sesta d’Amarela, por um trilho já conhecido e calcorreado já muitas vezes, em pouco tempo cheguei la… Os olhos começaram a ficar vidrado, as lágrimas inundaram meu rosto… Tristeza??? Não… Emoção prazerosa de estar ali na “plenitude”… Sentei me, fiquei sem tempo a contemplar cada contorno, cada corga, cada pico, cada pormenor por mais pequeno que seja para quando chegasse a casa, poder fechar os olhos e ainda ver e sentir aquela serra. Continuei caminho e fui saudar a Cabana d’Amarela, tinha de passar por lá, ver em que estado estava minha arvore, ainda não tinha secado, estava a portar-se bem… E continuei em direcção ao prado dos Bicos Altos. O tempo estava a render bem mesmo com as paragens, queria chegar cedo ao Bicos Altos, o Almerindo tinha me dito uns dias antes que a Vezeira estaria lá, pensei se me deixarem partilhar a cabaninha com eles óptimo, senão terei de ir até a cabana da Carvalhosa.

Não foi preciso quando cheguei ao prado estava lá o Sr. Alcides e o cunhado, o Eugénio ambos residentes de Fafião… Perguntei se iam dormir na cabana, afinal já tinham cortado os lençóis (ervas que vezereiro corta de manhãzinha, deixa secar durante o dia e forra a cabana com essa palhinha para tornar o colchão de carqueja e mato mais macio). Responderam que não como este ano a Vezeira permite ao vezereiro ir dormir a casa, eles iam para casa. Claro que minha pergunta foi logo e porque cortaram o lençol? O Sr. Alcides respondeu logo com o entusiasmo que caracteriza aquela gente: “para lhe preparar a cama… já sabíamos que vinha ”. E assim foi enquanto o Eugénio preparava minha cama o Sr. Alcides foi lavar a louça e deixar tudo pronto para o próximo vezereiro que viria no dia seguinte de manhãzinha. Ainda ajudei apanhar um vitelo para cuidarem de uma ferida que tinha na orelha, deixaram-me 3 costeletas, um naco de presunto, 3 maçã, sal grosso para temperar as costeletas e pão de milho fresquinho… Escusado será dizer que para quem andava há 3 dias a comer massas e sopas desidratadas, aquilo foi um manjar dos Deuses. No final um café e digestivo soube-me pela vida… Consolei-me!
Eles regressaram para o leito de suas respectivas companheiras e eu fiquei apreciar a noite que ia quente. Tinha muita lenha que o Fernando de Matos tinha cortado umas semanitas antes, por isso a fogueira ainda ardeu umas horas… Adormeci ali, a olhar para o céu a apreciar as estrelas no firmamento, lembrei-me da Lírio e do Orion que gostavam de um dia sentir a magia de uma noite na serra… E eu… Eu era uma privilegiada que estava ali… Acordei, apaguei a fogueira, fui para a cabaninha ascendi minhas velas, aconcheguei-me naquela palha coloquei meu saco-cama aberto sobre mim, estava muito calor e deixei-me abraçar pela noite, acariciar pela lua, beijar pelas estrelas e adormeci nos teus braços…


 

domingo, 3 de julho de 2011

23,24,25 e 26-06-11 no Gerês - 2 -

Segundo dia, 24/06  Camalhão – Freza – Chã da Fonte – Lamas do Borrageiro – Lomba de Pau – Prado do Conho –Sopé da Mourisca - Belas Brancas -  Muro – Curral da Touça

Acordei bem cedo, tinha dormido um sono só… Fiquei alguns minutos deitada no meu saco cama a realizar o que aconteceu realmente… Eu deitei-me adormeci e dormi como um anjo… Não me lembro de ter medo, dos receios, do escuro ou dos barulhos… Eu simplesmente adormeci de alma leve… Levantei-me abri a porta da Cabana e um sorriso invadiu meu rosto… Estava no Gerês… Fui ao ribeiro, lavei meu rosto, senti teus lábios bem fresquinhos nos meus… Que beijinho de bom dia mais agradável que eu recebi. Abasteci de água para o pequeno-almoço e apenas os primeiros raios de sol entravam no Curral resolvi fazer a minha saudação ao Sol: Surya Namaskar… Saudei o sol, a montanha, a natureza, a vida e pedi-lhe sabedoria para continuar a ser fiel a mim própria e entendimento para minhas questões… Tomei um bom pequeno-almoço, arrumei minhas coisas, certifiquei-me que deixava tudo tal e qual como cheguei e pus pernas ao caminho…


 Fui caminhando monte acima até a Freza, Chã da Fonte e ainda avistei o famoso arco do Borrageiro, encontrei bastante gado nas Lamas do Borrageiro e mais algum na Lomba de Pau. Durante a caminhada tentei varias vezes saber… Pedi descaradamente a montanha respostas mas ela teimava em se manter calada… Como se quisesse me dizer algo com o seu silencio… Não procurei entender muito e depois chegando ao Prado do Conho fui brindada com duas vacas e seus bezerros a brincar um com o outro, mais pareciam cabritos do que bezerros… Maravilhoso ver a vida a desabrochar a cada passo que dava… Cheguei muito cedo ao Conho, já reparei que quando ando só , o tempo rende sempre muito e num instante chego ao destino… Resolvi descansar um pouco, muito tempo… Comi algo, carreguei a minha garrafa de agua e dormi uma sesta… Não me apetecia pensar mais queria sentir o sol a aquecer meu corpo, a brisa a aflorar meus lábios e o vento a abraçar-me… E fiquei ali deitada… Meu descanso foi perturbado por um pequeno grupo de 4 Montanheiros que resolveram passar o dia em família na Montanha… Palavra puxa palavra não é que somos vizinhos de porta e nem nos conhecíamos…cerca das 13h30 já eu estava ali há algumas horas resolvi continuar afinal eles ainda iam ficar e eu ainda queria descobrir uns trilhos que chamavam por mim já há uns anitos… Em pouco tempo cheguei as Belas Brancas quem souber o trilho é sempre andar, nada de corta mato e rápido se chega lá… Ainda me cruzei com umas pessoas que me reconheceram pois já me tinha cruzado com elas mais ou menos naquele sitio há dois anos atrás… A eterna pergunta, não tem medo de andar sozinha? E eu pergunto, de quê? Só se for da crueldade humana… Mas ali não há lugar para isso. Chegando as Belas Brancas delirei com a imensidão e a grandiosidade de nossa serra, tirei algumas fotos e como só eram 14h30 fiquei ali muito tempo a apreciar a plenitude da serra. De repente sem muito pensar parecia que a montanha estava a falar comigo, me dizendo: Olha só… O que vês? Não procures respostas, tal como a Montanha as pessoas são o que são e não o que falam da boca para fora… Não o que nos queremos ouvir que elas sejam… Eu já sabia há muito que a palavra é o menos fiel transmissor da verdade, mas a verdade é que acho sempre que toda a gente age com boas intenções, até prova do contrario… e depois quero respostas! Respostas que só o futuro dará porque não há falsidade que não seja desmacarada com o decorrer do tempo… Procurei respostas nas montanhas e elas tiveram o tempo todo a minha frente… Elas são o que são… São prados verdejantes que me acolhem no meu repouso, são água fresca que me sacie a cede, são picos de plenitude e prazer. E o que me pedem em troca? Nada! Um simples passo suave de todas as vezes que piso seu chão sagrado e caminho a seu lado…

Mas como ainda havia tempo resolvi procurar por ali um trilho ou dois que sabia que passavam por ali o Sr. Agostinho já me tinha falado deles há uns anos atrás… Eu queria descer a Corga do Salgueirinho por trilho existente e não corta-mato como muitos talvez já o tivessem feito… Fui caminhando com todo o tempo do mundo quando vi do meu lado esquerdos duas mariolas bem visíveis a acenar… Resolvi seguir e ainda bem porque era por ali que passava mesmo o trilho. Claro já muito pouco trilhado mas as mariolas estavam todas lá. Chega a uma certa altura que as mariolas levavam para direcções opostas. Uma pela Corga do Salgueirinho com fragas e laje enormes demasiado perigosas para quem estava sozinha e com cerca de 14 kg as costas, e a outra ai em direcção ao Muro no vale do Rio Touça. Segui este último mas confesso que é muito íngreme, muito, demasiado arriscado para quem ia sozinha. Mas fui descendo muito lentamente seguindo cada mariola, só mesmo as mariolas indicavam passagem porque já pouco havia do trilho, mesmo assim are bem visível que o trilho so podia passar ali. A meia encostas resolvi parar e apreciar Porta Ruibas, senti uma felicidade imensa me envadindo, senti um prazer que muito poucas vezes senti… uma euforia que parecia que meu coração ia pular fora… E continuei a descer até ao Muro onde continuei, agora ja no trilho da vezeira que vem das Fichinhas até a Touça. Antes de ir para o Curral fui até uma daquelas lagoas paradisíacas e não hesitei dois minutos. Tomei ali um bom banho que me soube pela vida, o sabão rosa que levei para lavar o corpo também serviu para lavar algumas peças de roupa. Ainda era muito cedo, fiquei ali a tomar banhos de sol e agua e depois de agua e sol… Fiquei a admirar Porta Ruibas e depois o Carvalhal das Sombrosas (mais um erro na designação dos locais que numa entrada posterior eu explicarei o local exacto deste nomes).

Deitei-me no colo daquele vale, deixei que o sol tocasse minha pele e eu sentisse seu calor, deixei -me embalar pela melodia do ribeiro da Touça, deixei que a leve brisa que por ali passava beijasse meus lábios e deixei me cortejar pelas fragas enormes que se erguiam a minha frente como se de um belo pavão se trata-se, a cortejar a sua fêmea… Fiquei muito tempo ali a descansar. Depois de 2hrs a apreciar o “dolce fare niente” , lá fui até a Cabana da Touça, apanhei lenha, limpei o interior da cabana enquanto havia luz solar, preparei o meu jantar, um cafezito e fiquei mais uma vez a espera que a noite chegasse. Memorizei cada contorno fui relembrando tudo o que os residentes me foram contando, ensinando a cerca daqueles locais. Apreciei o chilrear dos passarinhos, acompanhei as nuvens no céu numa valsa desenfreada, namorei a lua por entre as montanhas e as sombras da folhagem das arvores brincavam ao esconde com as estrelas. Ja era noite bem escura quando resolvi entrar para a cabana. Ascendi minhas velas, ritual que aprecio muito, meti-me no meu saco cama e mais uma vez sentia a minha Kelly ali por perto a vigiar o meu sono. Um último pensamento antes de adormecer, eu estava pela segunda noite consecutiva a dormir nos seus braços, junto ao seu peito, na suite mais bela do melhor hotel que eu conheço.