Terceiro dia, 25-06 Touça - Lagarinho - Sesta d'Amarela - Cabana d'Amarela - Bicos Altos - Prado dos Bicos Altos
Apenas os raios de sol entravam no vale e a luz do dia na cabaninha, já eu abria os olhos. Deixei-me ficar ali um tempinho a apreciar o aconchego do meu saco-cama e a olhar para o vale pelo pequeno orifício da entrada. Ouvia os passarinhos a chilrear lá fora e agua dos ribeiros da Touça e do Laço a darem-me o bom dia! Qual dos dois foi o primeiro não sei, só sei que senti o beijo de um e o bom dia do outro… tão bom!!!
Levantei-me, lavei meu rosto, penteei o cabelo, vesti-me e fiz-me linda para abraçar a minha serra por mais um dia… Enquanto tomava o pequeno-almoço, fui namorando um pouco o Vale do Rio Laço que seria o meu próximo passo, pelo menos deveria ser, pois as indicações que deixei aos meus colegas é que iria pelo rio Laço até a Cabana da Amarela…
Fiz aquilo que desaconselho a qualquer pessoa que caminha só.
Tinha visto no dia anterior um portelo numa linha de agua bastante íngreme do lado esquerdo do rio e resolvi tentar por ai… Se há um portelo é porque o gado passa e se assim for, eu também… Comecei então minha ascensão por um trilho muito pouco trilhado mas ainda havia uma mariola ali outra acola. Até ai tudo bem fui lentamente com tempo para apreciar a paisagem, o declive tornava-se cada vez maior, mas ali não havia lugar para medos. Resolvi abordar o flanco pelo lado esquerdo “feeling”… Errado!!! Quando dei por mim estava em frente de uma enorme parede e regressar/descer com 14kgs as costas, não me estava a apetecer. Até porque a maior parte dos acidentes se dão nas descidas (a descer) do que a subir… Resolvi escalar um pouco a rocha e passar um patamar, parecia plano. Parei, descansei antes de iniciar e pensei, se me acontece aqui algum azar, estou tramada, ninguém sabe que vim para este lado, e um resgate seria complicado. E se morresse??? Pensei para mim; morreria feliz, estaria na minha serra… Mas não, ainda há muita vida a correr-me nas veias… Resolvi começar a escalar e lembrei-me de um colega de montanha, o Sherpa com quem fiz pela primeira vez escalada em rocha… Ok não tinha ninguém desta vez a fazer segurança, mas lembro dele falar da força de pernas, dos apoios e das brechas na rocha onde poderia fincar os pés e agarrar-me com as mão… Não era grande coisa mas sabia que tinha de ter o máximo cuidado, qualquer descuido poderia ser “grave”.
O Borrageiro fitava-me do olhar, ciumento também queria minha atenção. Cheguei ao Lagarinho, ainda era muito cedo, resolvi comer uma pouco, descansar, apreciar os prazeres da vida o “dolce fare niente”… Ficar ali só a sentir o sol, ouvir os passarinho, deliciar-me com o frenesim do vento nas arvores e sentir-me tão bem, tão feliz por estar ali, sem nada, só com uma mochila o mínimo para comer e beber, um saco cama e mais nada… Tão pouco para me sentir feliz, em paz, de bem com a vida… Acho que fiquei ali umas 3 horas.
Lentamente fui subindo até meu lugar de eleição naquela zona do Gerês. Fui até a Sesta d’Amarela, por um trilho já conhecido e calcorreado já muitas vezes, em pouco tempo cheguei la… Os olhos começaram a ficar vidrado, as lágrimas inundaram meu rosto… Tristeza??? Não… Emoção prazerosa de estar ali na “plenitude”… Sentei me, fiquei sem tempo a contemplar cada contorno, cada corga, cada pico, cada pormenor por mais pequeno que seja para quando chegasse a casa, poder fechar os olhos e ainda ver e sentir aquela serra. Continuei caminho e fui saudar a Cabana d’Amarela, tinha de passar por lá, ver em que estado estava minha arvore, ainda não tinha secado, estava a portar-se bem… E continuei em direcção ao prado dos Bicos Altos. O tempo estava a render bem mesmo com as paragens, queria chegar cedo ao Bicos Altos, o Almerindo tinha me dito uns dias antes que a Vezeira estaria lá, pensei se me deixarem partilhar a cabaninha com eles óptimo, senão terei de ir até a cabana da Carvalhosa.
Eles regressaram para o leito de suas respectivas companheiras e eu fiquei apreciar a noite que ia quente. Tinha muita lenha que o Fernando de Matos tinha cortado umas semanitas antes, por isso a fogueira ainda ardeu umas horas… Adormeci ali, a olhar para o céu a apreciar as estrelas no firmamento, lembrei-me da Lírio e do Orion que gostavam de um dia sentir a magia de uma noite na serra… E eu… Eu era uma privilegiada que estava ali… Acordei, apaguei a fogueira, fui para a cabaninha ascendi minhas velas, aconcheguei-me naquela palha coloquei meu saco-cama aberto sobre mim, estava muito calor e deixei-me abraçar pela noite, acariciar pela lua, beijar pelas estrelas e adormeci nos teus braços…
4 comentários:
Mais uma belíssima descrição, que transparece o teu amor pela montanha. Lendo-te, quase se sente a tal magia da noite na serra (magia que eu bem conheço), quase se ouvem as águas turbulentas e o cantar alegre dos pássaros no desabrochar de um novo dia.
Parabéns.
Callixto,
De facto só quem sente e vê com os olhos da alma, consegue entender o meu, o teu, sentir naquela serra... :)
M. Obrigada
Beijinhos
Angel!!
Foi umas das mais lindas descrições de sempre!!!Existem frases que ficaram gravadas na minha mente!! E esse pormenor da estares apenas com uma mochila às costas sem mais nada e tão feliz!!Ai!Essa frase é mesmo digna de um cabeçalho no teu blog e muitas outras mais!
Essa tua paixão pelo Gerês é tão nítida, tão contagiante, tão cheia de energia positiva!!
LINDO!!!!!!!!!!ADOREI!!!!!!!!
Um grande beijinho!
Meu Doce Lírio,
Essas tuas palavras são mel… o Doce mel do Gerês que adoçam a minha alma. E sei, sinto que sentes a serra com a mesma paixão, a mesma intensidade com que eu a sinto… E isso deixa me muito feliz, porque tenho cada vez mais a certeza que estou no caminho certo e não, não sou a única. Muitos, muitas mais sentem como eu.
Beijo enorme
PS: e não te esqueças que embora não esteja fisicamente por lá, enquanto eu estiver, tu também estas… Levo sempre algumas pessoas comigo ;)
Enviar um comentário