terça-feira, 12 de julho de 2011

23,24,25 e 26-06-11 no Gerês - 3 -

 Terceiro dia, 25-06  Touça - Lagarinho - Sesta d'Amarela - Cabana d'Amarela - Bicos Altos - Prado  dos Bicos Altos

Apenas os raios de sol entravam no vale e a luz do dia na cabaninha, já eu abria os olhos. Deixei-me ficar ali um tempinho a apreciar o aconchego do meu saco-cama e a olhar para o vale pelo pequeno orifício da entrada. Ouvia os passarinhos a chilrear lá fora e agua dos ribeiros da Touça e do Laço a darem-me o bom dia! Qual dos dois foi o primeiro não sei, só sei que senti o beijo de um e o bom dia do outro… tão bom!!!

Levantei-me, lavei meu rosto, penteei o cabelo, vesti-me e fiz-me linda para abraçar a minha serra por mais um dia… Enquanto tomava o pequeno-almoço, fui namorando um pouco o Vale do Rio Laço que seria o meu próximo passo, pelo menos deveria ser, pois as indicações que deixei aos meus colegas é que iria pelo rio Laço até a Cabana da Amarela…

Fiz aquilo que desaconselho a qualquer pessoa que caminha só.

Tinha visto no dia anterior um portelo numa linha de agua bastante íngreme do lado esquerdo do rio e resolvi tentar por ai… Se há um portelo é porque o gado passa e se assim for, eu também… Comecei então minha ascensão por um trilho muito pouco trilhado mas ainda havia uma mariola ali outra acola. Até ai tudo bem fui lentamente com tempo para apreciar a paisagem, o declive tornava-se cada vez maior, mas ali não havia lugar para medos. Resolvi abordar o flanco pelo lado esquerdo “feeling”… Errado!!! Quando dei por mim estava em frente de uma enorme parede e regressar/descer com 14kgs as costas, não me estava a apetecer. Até porque a maior parte dos acidentes se dão nas descidas (a descer) do que a subir… Resolvi escalar um pouco a rocha e passar um patamar, parecia plano. Parei, descansei antes de iniciar e pensei, se me acontece aqui algum azar, estou tramada, ninguém sabe que vim para este lado, e um resgate seria complicado. E se morresse??? Pensei para mim; morreria feliz, estaria na minha serra… Mas não, ainda há muita vida a correr-me nas veias… Resolvi começar a escalar e lembrei-me de um colega de montanha, o Sherpa com quem fiz pela primeira vez escalada em rocha… Ok não tinha ninguém desta vez a fazer segurança, mas lembro dele falar da força de pernas, dos apoios e das brechas na rocha onde poderia fincar os pés e agarrar-me com as mão… Não era grande coisa mas sabia que tinha de ter o máximo cuidado, qualquer descuido poderia ser “grave”.
Mas passei, o patamar estava lá mas mais outra parede a minha frente, agora estava fora de questão de continuar, tinha de contornar aquele morro de pedras e apanhar o trilho que eu conhecia e sabia que se encontrava uns 800 mts mais a esquerda. Consegui descer por uma brecha mais a frente e apanhar terra firme, com algum declive mais conseguia andar bem…. Vi ao longe uma mariola que sabia que indicava a passagem do trilho segui-o e claro, fui ter ao Lagarinho pelo trilho convencional que vem da Touça… Ainda tive tempo para apreciar o vale e o estradão que nos leva as Lagoas do Marinho. Apreciei do olhar Porta Ruibas, acenei as Quinas de Arrocela, lembrei da felicidade imensa que senti quando pela primeira vez subi ao Alto de Palma pelas Portas d’Abelheira.
O Borrageiro fitava-me do olhar, ciumento também queria minha atenção. Cheguei ao Lagarinho, ainda era muito cedo, resolvi comer uma pouco, descansar, apreciar os prazeres da vida o “dolce fare niente”… Ficar ali só a sentir o sol, ouvir os passarinho, deliciar-me com o frenesim do vento nas arvores e sentir-me tão bem, tão feliz por estar ali, sem nada, só com uma mochila o mínimo para comer e beber, um saco cama e mais nada… Tão pouco para me sentir feliz, em paz, de bem com a vida… Acho que fiquei ali umas 3 horas.

Lentamente fui subindo até meu lugar de eleição naquela zona do Gerês. Fui até a Sesta d’Amarela, por um trilho já conhecido e calcorreado já muitas vezes, em pouco tempo cheguei la… Os olhos começaram a ficar vidrado, as lágrimas inundaram meu rosto… Tristeza??? Não… Emoção prazerosa de estar ali na “plenitude”… Sentei me, fiquei sem tempo a contemplar cada contorno, cada corga, cada pico, cada pormenor por mais pequeno que seja para quando chegasse a casa, poder fechar os olhos e ainda ver e sentir aquela serra. Continuei caminho e fui saudar a Cabana d’Amarela, tinha de passar por lá, ver em que estado estava minha arvore, ainda não tinha secado, estava a portar-se bem… E continuei em direcção ao prado dos Bicos Altos. O tempo estava a render bem mesmo com as paragens, queria chegar cedo ao Bicos Altos, o Almerindo tinha me dito uns dias antes que a Vezeira estaria lá, pensei se me deixarem partilhar a cabaninha com eles óptimo, senão terei de ir até a cabana da Carvalhosa.

Não foi preciso quando cheguei ao prado estava lá o Sr. Alcides e o cunhado, o Eugénio ambos residentes de Fafião… Perguntei se iam dormir na cabana, afinal já tinham cortado os lençóis (ervas que vezereiro corta de manhãzinha, deixa secar durante o dia e forra a cabana com essa palhinha para tornar o colchão de carqueja e mato mais macio). Responderam que não como este ano a Vezeira permite ao vezereiro ir dormir a casa, eles iam para casa. Claro que minha pergunta foi logo e porque cortaram o lençol? O Sr. Alcides respondeu logo com o entusiasmo que caracteriza aquela gente: “para lhe preparar a cama… já sabíamos que vinha ”. E assim foi enquanto o Eugénio preparava minha cama o Sr. Alcides foi lavar a louça e deixar tudo pronto para o próximo vezereiro que viria no dia seguinte de manhãzinha. Ainda ajudei apanhar um vitelo para cuidarem de uma ferida que tinha na orelha, deixaram-me 3 costeletas, um naco de presunto, 3 maçã, sal grosso para temperar as costeletas e pão de milho fresquinho… Escusado será dizer que para quem andava há 3 dias a comer massas e sopas desidratadas, aquilo foi um manjar dos Deuses. No final um café e digestivo soube-me pela vida… Consolei-me!
Eles regressaram para o leito de suas respectivas companheiras e eu fiquei apreciar a noite que ia quente. Tinha muita lenha que o Fernando de Matos tinha cortado umas semanitas antes, por isso a fogueira ainda ardeu umas horas… Adormeci ali, a olhar para o céu a apreciar as estrelas no firmamento, lembrei-me da Lírio e do Orion que gostavam de um dia sentir a magia de uma noite na serra… E eu… Eu era uma privilegiada que estava ali… Acordei, apaguei a fogueira, fui para a cabaninha ascendi minhas velas, aconcheguei-me naquela palha coloquei meu saco-cama aberto sobre mim, estava muito calor e deixei-me abraçar pela noite, acariciar pela lua, beijar pelas estrelas e adormeci nos teus braços…


 

4 comentários:

José Carlos Callixto disse...

Mais uma belíssima descrição, que transparece o teu amor pela montanha. Lendo-te, quase se sente a tal magia da noite na serra (magia que eu bem conheço), quase se ouvem as águas turbulentas e o cantar alegre dos pássaros no desabrochar de um novo dia.
Parabéns.

White Angel disse...

Callixto,

De facto só quem sente e vê com os olhos da alma, consegue entender o meu, o teu, sentir naquela serra... :)

M. Obrigada
Beijinhos

Lírio disse...

Angel!!

Foi umas das mais lindas descrições de sempre!!!Existem frases que ficaram gravadas na minha mente!! E esse pormenor da estares apenas com uma mochila às costas sem mais nada e tão feliz!!Ai!Essa frase é mesmo digna de um cabeçalho no teu blog e muitas outras mais!
Essa tua paixão pelo Gerês é tão nítida, tão contagiante, tão cheia de energia positiva!!
LINDO!!!!!!!!!!ADOREI!!!!!!!!

Um grande beijinho!

White Angel disse...

Meu Doce Lírio,
Essas tuas palavras são mel… o Doce mel do Gerês que adoçam a minha alma. E sei, sinto que sentes a serra com a mesma paixão, a mesma intensidade com que eu a sinto… E isso deixa me muito feliz, porque tenho cada vez mais a certeza que estou no caminho certo e não, não sou a única. Muitos, muitas mais sentem como eu.

Beijo enorme

PS: e não te esqueças que embora não esteja fisicamente por lá, enquanto eu estiver, tu também estas… Levo sempre algumas pessoas comigo ;)